domingo, 9 de setembro de 2012

Meu aluno traduziu Drummond

Dedico este post a todos meus colegas professores que, como eu, duvidam da lógica de "acumulação de conhecimento" tão em voga no ensino de idiomas atual e acreditam que ter uma boa didática não é seguir um caminho de estruturas menos complexas da língua para as mais complexas (porque isso mesmo não é tão certo assim), mas sim dar a liberdade para o seu aluno desenvolver seus interesses pessoais e pensar crítica e esteticamente o mundo partir do conhecimento prévio dele.

O Jordan começou a ter aulas comigo porque dizia que precisava aprender a falar português logo. Ele é americano e vai ficar em São Paulo por alguns anos. Como sua mãe é brasileira, ele já entendia muito da nossa língua quando começamos. Aos poucos, nosso interesse por poesia foi levando as aulas em outras direções além do material didático de português para estrangeiros que seguíamos. Eis que orgulhosamente posso apresentar aqui a primeira tradução dele de um poema brasileiro: Perguntas em forma de cavalo-marinho, de Drummond.




Questions in Form of a Seahorse
Jordan Mandela Knudson

What metric serves
to measure us?
What form is ours
and what content?

Contain we something?
Are we contained?
Are we named?
Are we alive?

To what do we aspire?
What do we possess?
What do we recall?
Where are we laid to rest?

(It never ends
nor was created.
A mystery is time,
without equal.)



Perguntas em forma de cavalo-marinho
Carlos Drummond de Andrade

Que metro serve
para medir-nos?
Que forma é nossa
e que conteúdo?

Contemos algo?
Somos contidos?
Dão-nos um nome?
Estamos vivos?

A que aspiramos?
Que possuímos?
Que relembramos?
Onde jazemos?

(Nunca se finda
nem se criara.
Mistério é o tempo
inigualável.)

(In: Claro enigma, 2002, Cia das Letras)

E não pensem que ele parou por aí! Espero que logo eu possa publicar aqui as novas traduções dele!

Fonte da imagem: http://antropologias.descentro.org/anima/about/

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Transcriações no Sarau Visgo e Improviso





No dia 30 de maio ocorreu a primeira edição do Sarau Visgo e Improviso, no Tucarena, em São Paulo. Foi também a comemoração dos 10 anos do Programa de Pós-graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP. Participei apresentando traduções/transcriações minhas de dois poemas de Stefan Tobler.



Veja o vídeo da minha apresentação nesse link do youtube.



Os poemas originais são Canción 1 e 2, e Considering calmly, impartially. Ambos foram publicados na Revista Shearsman (no. 79 & 80 – Spring Summer 2009, Edited by Tony Frazer). Logo abaixo estão as Traduções © de Ana Amália Alves.




Canción


1.

Each body with its desires

and the air carries sea-salt



two bodies share a bed

and the sea between them



the old song on the radio

the one they would fall asleep to



is the rhythm of a body

and each body asks after its rhythm



each body stopped and listening

and the song breaking each



lying next to the other

each facing the sea





2.


In tins and buckets

each carries with care

to bring for the other

what they can of the sea.




Note: the ‘Canción’ heard here uses a couple of lines from the Venezuelan poet Eugenio Montejo’s poem of the same name.





(By Stefan Tobler)



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Considering calmly, impartially,

this new machine to see with, and reading in its manual

that man or woman is nothing more

than composed of rectangles, ratios,

is a mutable mammal who combs

afterwards in Photoshop, considering this camera

and the six paths of illumination on its settings dial

Lightning Runner Mountain Flower Face Heart,

and considering that we are sad animals,

cough and spit better than incited cats

but otherwise have little to endear us,

that our tongues have lost their honey

and that love would have room

to shelter in our mouths as it did

before I forgot our cleaning rota and all hope,

and finding my eyes can’t quite focus,

and nothing working quite, can I turn back

to the Heart, and love, the mode for beginners,

just a click away, all I need

in most any light?





(By Stefan Tobler)


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Canción

1.




Dois corpos com seus desejos

e o sal do mar no ar



Dois corpos numa cama

e o mar entre eles



a velha música na rádio

que os fazia adormecer



é o ritmo de um corpo

cada corpo procurando o seu ritmo



dois corpos parados na escuta

e a música os invadindo



deitados um ao lado do outro

ambos de frente para o mar.





2.

Em baldes e latas

cada um carrega

levando para o outro

o que podem do mar.






Nota do poeta: A Canción ouvida aqui originou-se a partir do poema homônimo do poeta venezuelano Eugenio Montejo.




(Tradução © Ana Amália Alves)



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Considerando calmamente, imparcialmente


essa nova máquina de ver, leia no manual

que homens e mulheres são nada mais

que compostos de retângulos, razões,

mamíferos mutáveis que se penteiam

depois no PhotoShop. Considerando essa câmera

e os seis caminhos de iluminação em seu painel

raio correndo montanhas flor carinha coração,

e considerando que somos tristes animais,

tossimos e cuspimos melhor que gatos alvoroçados

mas por outro lado temos pouco que nos faça amáveis

que nossa língua acabou perdendo o mel

e que o amor poderia ter um espaço

para se proteger em nossas bocas como fazia

antes de eu perder nossa listinha de tarefas e toda esperança,

e que vejo que meus olhos não conseguem bem focar,

e que nada está funcionando, posso então retornar

ao coração, ao amor, esse modo para iniciantes,

apenas a um click, tudo que eu preciso

em toda e qualquer luz?





Nota do poeta: Aqui estão sendo usados alguns versos de um poema de Antônio Moura, que são por sua vez parcialmente retirados de um poema de Cesar Vallejo com um título similar (Considerando em frio, imparcialmente).




(Tradução © Ana Amália Alves)


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Abigail Joy Tobler - 2a tradução de Ana Amália Alves

Tradução de Facing the Firing Squad – Abigail Joy Tobler
© Ana Amália Alves (anaamaliaalves@hotmail.com)


Encarando o esquadrão de fuzilamento

Eu fiz como me foi dito:
pus meu braço sobre minha cabeça,
esperei o som do disparo,
sabendo que seria ligeiro
e relativamente sem dor.

Um instante antes dele vir
eu senti uma mão escorregar suavemente
na minha, em solidariedade.
Eu não precisava daquele conforto,
mas senti gratidão.

Créck! A arma disparou;
a dor adentrou pontiaguda pelo meu peito
aí tudo ficou parado. Agora
eu aguardo a longa semana
antes do resultado da biópsia.

______________


In: Pebbles, puddles and poppies – outlooks on the world around and the world within. Hazlemere: Abigail Books, 2004.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Abigail Joy Tobler - tradução de Ana Amália Alves



Esquilos

Moleques, conhecendo os ramos
da vida de topo de árvore ao perseguir um ao outro
em cima e abaixo das hastes*,
e mesmo além dos limites dessas pranchas elásticas –
para não cair no profundo,
mas para voar cruzando a divisa
até o próximo galho bem vindo
ou adentro do oceano vizinho.

Eles alegaram ser essa árvore
uma propriedade exclusiva deles,
expulsando os assentados pombos
e corvos intrusos;
continuaram a afinar suas proezas
atléticas e ginásticas até que, exaustos
e famintos, eles retornaram ao ninho
para beber da mãe o nutritivo milkshake.

_________

*Twig (hastes, pontas finais dos galhos) também pode ser um verbo de uso mais informal para indicar o ato de compreender, dar-se conta de algo.

Tradução de Squirrels – Abigail Joy Tobler
© Ana Amália Alves (anaamaliaalves@hotmail.com)

(Squirrels. In: Abigail Joy Tobler. Pebbles, puddles and poppies – outlooks on the world around and the world within. Hazlemere: Abigail Books, 2004).

Fonte da imagem: http://frogdawn.blogspot.com.br/

quarta-feira, 14 de março de 2012

Diana Bellessi

Variaciones de la luz

Un revuelo naranja al poniente
en lucha libre con el violeta
donde se hace de repente un claro
verde como aquel rayo purísimo
perseguido en la juventud
y al fondo el coro de gallinetas
y un silencio al frente que corta
el tajo de luna con más silencio
y plata y noche hasta que sólo
quedan las luces de tu casa
a veces como mágicas naranjas
dulces y en la soledad amargas


(In: Variaciones de la luz. Buenos Aires: Bajo la luna/Poesia en obra, 2006.)

domingo, 29 de janeiro de 2012

Martín Gambarotta

1


Una pieza

donde el espacio del techo es igual

al del piso que a su vez es igual

al de cada una de las cuatro paredes

que delimitan un lugar sobre la calle.

La bruma se traslada a su mente

vacía, no sabe quién es y el primer

pensamiento "un perro que se da cuenta que es perro

deja de serlo" vuelve a formar parte

del sueño pero aparece, difusa,

la maceta: una pava abollada con plantas

en el centro de la mesa: dos caballetes

sosteniendo una tabla de madera

-entonces está despierto.

Las manchas de óxido en el cielo-

el color de la luz sobre las cosas, el cielo

que se retrae y es óxido borroneado

entre sus ojos y cae dormido de nuevo, pero aparece

un orden en la materia despierta.

La ubicación lúcida

del lugar en el día, el ruido,

el cuerpo latiendo,

la ruina de una idea que corre

por una red de nervios,

palabras de acero

contenidas en un soplo:

un orificio cabeza de alfiler

en una cavidad del corazón.


(In: Punctum. Buenos Aires-Bahía Blanca: Mansalva-Vox, 2011).

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Carta a um poeta

Meu caro poeta,

Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos , aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócritos!

Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz.

A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.

Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.

Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.

Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.

Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?

Mario Quintana


(Quarto do poeta, Casa Mario Quintana - Porto Alegre/RS)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Novos críticos e curadores lembrando a poesia surrealista




Esqueleto Delicado Ressuscitado

Viva a vaia
A lua está cheia
A nau dos insensatos leva seres sem cabeça...
E ali permanece até hoje
é gordo e cremoso;
mas nem sempre é assim.
Num dia de sol, a lua estará brilhante
Participação do espectador
Arte é movimento
um sonho...
e no fim, tudo virou conceitual.


Ana Amália Alves, Arlete de Oliveira, Fabiana Sciarotta, Fabiane Nielebock, Fernanda Vieira, Gabriela Oliveira, Jefferson Campos, Thaís Hoffmann, Wagner Lungov, Zinia Carvalho.

Poema elaborado a partir da proposta de Mônica Rodrigues da Costa na aula de Arte Contemporânea e Poéticas Experimentais. Especialização em Arte: Crítica e Curadoria. PUC-SP.