Como estamos no mês dos namorados, nada mais propício e clichê que falar do amor.
Esses poemas de Hilda Hilst vão além. Musicados por Zeca Baleiro, ficaram lindos.
I
É bom que seja assim, Dionísio,
que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouvira. Atento
meu ouvido escutaria
o sumo do teu canto. Que não venhas,
Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
se fazendo de tua sábia ausência.
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II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes,
Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira
poeta.
E que o teu corpo existe porque o
meu
Sempre existiu cantando.
Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu
Ainda que tu me vejas extrema e
suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.
(In: Júbilo memória noviciado da paixão, 1974, Globo Editora)